Já conheci gente brilhante, talentos que poderiam mudar o mundo, morando em ruas abandonadas que nem a iluminação do poste alcança. E já vi completos medíocres vivendo como marajás, cercados de luxo e conforto.
Como explicar isso?
Levei anos para entender que o capitalismo não premia a genialidade, mas sim a capacidade de se encaixar em um sistema que valoriza a uniformidade.
Um sistema onde todos são pressionados a sonhar com a mesma coisa: ficar milionários, ter o casamento perfeito, colocar os filhos em escolas de elite e, claro, olhar com desdém para quem não conseguiu “vencer” — mesmo que essa “vitória” tenha sido herdada, não conquistada.
Meu primeiro emprego foi em um plano de saúde. Eu era pago para negar atendimento a pessoas que pagavam caro por um serviço que muitas vezes lhes era negado. Enquanto isso, o dono da empresa enriquecia às custas da dor alheia. Não é à toa que o Brasil tem tantos bilionários no setor da saúde, enquanto o SUS, que deveria ser um direito básico, é sabotado para não funcionar como deveria.
Alô, Luige!
Aquela experiência me corroía por dentro. Negar procedimentos básicos, cirurgias essenciais, ver pessoas desesperadas sendo ignoradas.
Alguns colegas pareciam imunes: “Não me afeta mais”, dizia uma veterana. Mas eu não conseguia me acostumar. Aquilo me consumia, me levava a questionar tudo. Prometi a mim mesmo que nunca mais trabalharia com algo que envolvesse a saúde dos outros.
Em outro emprego, conheci um homem magro, amargurado, que gritava com todos. Ele repetia: “Eu não me reconheço mais”. E eu entendia. Aquele grito era o eco de uma dor que muitos de nós carregamos: a dor de acordar cedo, de encarar horas intermináveis de trabalho, de sentir o vazio existencial que nos consome. A ansiedade, a depressão, a sensação de que nada faz sentido… Tudo isso tem um nome: capitalismo.
Quando percebi isso, foi libertador. Eu achava que não servia para nada, mas descobri que, na verdade, o capitalismo é que não serve para mim. E provavelmente não serve para você também. Lembre-se: você não é um fracassado. O capitalismo é que fracassou com você. Todos nós temos talentos, paixões, algo que nos conecta e nos inspira. Nossa criatividade é infinita. Se o sistema não consegue extrair o que há de melhor em nós, então ele é que está errado. Ele fracassou, fracassa e sempre fracassará.
Eu me libertei. Entendi que o vazio que sentia não era meu, mas sim fruto de uma máquina que exige mais do que podemos ou queremos dar. É o resultado de uma sociedade que nos ensina a competir, não a cooperar. “Seja melhor que ele”, “consiga um emprego melhor”, “não leve desaforo para casa”, “precisa de um carro novo”. Mentiras! Você não precisa de um carro; precisa de transporte público de qualidade. Você não precisa ser o melhor; precisa viver em um mundo onde todos tenham oportunidades reais.
O capitalismo não quer pessoas saudáveis ou felizes. Ele quer pessoas ansiosas, com medo, sempre produzindo, sempre provando seu valor. Já ouvi gerentes dizerem: “Quando não tiver nada para fazer, finja que está ocupado, senão você será demitido”. Já vi mães passarem mal em reuniões porque foram ameaçadas com a perda do emprego. “Mostre que precisamos de você, senão teremos que substitui-la”, diziam. Isso não é motivação; é tortura. O capitalismo não motiva — ele adoece. Ele te mantém com medo, te mantém doente, enquanto permanece saudável.
Quando você está cansado, amargurado, se sentindo um fracasso, lembre-se: essa dor não é sua. É do capitalismo. Escreva na sua testa, tatue no seu braço, pinte na parede do seu quarto: “ A culpa não é minha, é do capitalismo”.
Você não é um fracasso. O sistema é que fracassou com você. A culpa só será sua se você se deixar levar por essa dor, se encolher, desistir. Eu já estive lá. Já pedalei minha bicicleta torcendo para bater de frente com um carro. Mas se eu tivesse morrido, a culpa seria minha. A fraqueza seria minha. Eu não morri. Estou aqui. E isso é uma má notícia para o capitalismo, porque eu vou lutar. E você também pode.
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